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Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado

Atualizado: 28 de set. de 2022

“Eu pedi amor”, disse.

- Isso é amor.

- Mas não vai me fazer mal?

- Talvez.

Olhei de novo e percebi uma larvinha de mosca saindo da cobertura.

- Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também.

- Não sei.

A larvinha agora afundava cada vez mais no bolo.

- Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe.

Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para a casa. Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível. Me contentei em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.

Vomitei.

Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho nem de escovar os cabelos. Não queria olhar o céu e nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as pálpebras muito menos as janelas da casa.

Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e ao mesmo tempo aliviada. Pela manhã, as maquiagens do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem penduradas. A maçaneta da porta pedia para ser girada e eu obedeci.

A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava vitrines.

À noite resolvi encarar o bolo de novo.

Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando de lado nem dava para ver a parte feia. Segui comento o bolo, segui com o estômago revirado e mais importante: segui com vontade de entrar no ônibus e pagar minhas contas. Até que o bolo acabou.

Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou estava coberto de moscas.

- Está fedendo demais. – comentei. - É o que eu tenho.

Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tampei o nariz aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem a garganta contraiu: já estavam habituados.

Quando o amor acabou, ele me entregou um prato fundo.

- Mas isso é vômito!

- Eu chamo de amor.

Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes de ir trabalhar, e, para a minha surpresa, eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra colherada à noite, pra garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.

No dia seguinte tive um pouco de febre, mas segui dando umas colheradas. Dois dias depois, a cabeça doeu.

A febre voltou. A garganta inchou.

Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e esperei a morte bater.

Quando ouvi o som da campainha, suspirei aliviada.

Mas não era ele.

Não era alguém que eu conhecesse. Tinha cabelos encaracolados e trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa, tinha cheiro de primavera.

- Isso não é amor. - Eu disse.

- É amor, sim. - Parecia surpreso.

- Não, não é. - Eu ri.

Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse mudar de ideia, levou a torta de creme embora.

Talvez eu deva aprender a cozinhar sozinha.



(texto escrito por Natália Nodari, assim como todos os textos que estão dentro de O Segundo Cu)


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